Luislinda Dias de Valois Santos foi a primeira magistrada no Brasil a prolatar uma sentença condenatória por crime de racismo, em 1993.
Na última quinta-feira (14), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) homenageou Luislinda Dias de Valois Santos, ex-ministra dos Direitos Humanos, com a concessão do título de cidadã honorária. A iniciativa da homenagem foi da vereadora Maria Leticia (PV), autora do decreto legislativo 13/2024, que promoveu a concessão da honraria.
Compuseram a mesa: Carminha Paiva, deputada estadual, representando a Assembleia Legislativa de Sergipe; Lenice Bodstein, desembargadora representando a presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR); Terezinha de Jesus de Souza Signorini, procuradora de justiça representando o procurador-geral de justiça do Paraná, Francisco Giacometti; Mércia Deodato do Nascimento, juíza de direito representando a Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar); Symara Motter, promotora de justiça e presidente da Associação Paranaense do Ministério Público (APMP); Luis Fausto Valois, promotor de justiça e presidente da Associação Sergipana do Ministério Público; Marilena Indira Winter, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR); Eloisa Machado, procuradora da República, representando o Ministério Público Federal do Paraná; Marize Winkler, juíza federal, representando a Justiça Federal do Paraná e a Associação dos Juízes Federais do Paraná; e Diogo Luiz Cordeiro Rodrigues, procurador do Estado do Paraná, representando a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.
Assista à sessão solene no YouTube da CMC
Desembargadora, ministra de estado, escritora e embaixadora da paz
“Tentar resumir a vida de alguém como Luislinda Valois dentro do tempo curto que temos hoje aqui seria impossível e não faria jus à sua trajetória” disse a vereadora Maria Leticia ao iniciar sua saudação à homenageada. Luislinda Valois foi a primeira juíza negra no Brasil e a primeira magistrada a assinar uma sentença condenatória relativa a um crime de racismo, no ano de 1993, lembrou Maria Letícia. A desembargadora, lembrou a parlamentar, também é escritora, ex-ministra dos Direitos Humanos, secretária de políticas da igualdade racial do então ministério da Justiça e da Cidadania e embaixadora da paz pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“Como magistrada, criou projetos sociais para solução de conflitos em áreas pobres de Salvador (Balcão de Justiça e Cidadania) e um Juizado Itinerante, no qual Luislinda se deslocava pelos bairros para dar andamento aos casos que estavam parados”, destacou Maria Leticia. A homenageada também foi professora no Colégio Militar de Curitiba e servidora do então Departamento Nacional de Estradas e Rodagens do Paraná (hoje Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT).
Para Maria Leticia, “Luislinda é muito maior do que esse resumo que fiz de sua vida, É um orgulho imenso poder homenageá-la. Obrigado por lutar pelos que mais precisam, por lutar pelo nosso país e ter esperança de que o Brasil pode se tornar melhor, mais justo e mais humano”, concluiu a vereadora.
Profundo senso de justiça e uma incansável luta pela igualdade racial
Lenice Bodstein, desembargadora representando a presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), agradeceu a oportunidade de se manifestar em relação à homenageada e destacou seus muitos títulos: “Não sei se a chamo, de ministra, de desembargadora, de doutora, ou se eu chamo de mentora de novos tempos”. Ela lembrou que, em sua carreira de 38 anos na magistratura, sempre que havia um avanço, Luislinda se fazia presente. Terezinha de Jesus de Souza Signorini, procuradora de justiça, disse que a Cidadania Honorária é destinada aos cidadãos não curitibanos que prestaram contribuições relevantes para a cidade. “No caso de Luislinda, sua trajetória ultrapassa os limites de Curitiba e reflete em toda a nação brasileira”, resumiu a procuradora.
Para a juíza Mércia Deodato do Nascimento, a história de Luislinda é um singular exemplo de coragem e compromisso com a justiça e os direitos humanos. “Sua atuação ajudou a transformar o judiciário brasileiro, sendo marcada por profundo senso de justiça e uma incansável luta pela igualdade racial”, afirmou Mércia.
Celebrar a trajetória de Luislinda é valorizar a potência da mulher negra
Symara Motter, procuradora de justiça, parabenizou Maria Leticia por celebrar e valorizar a trajetória de Luislinda Valois e, dessa forma, valorizar a potência da mulher negra, que desde a época do Brasil Colônia sustenta histórica e economicamente esse país. Para a presidente da OAB-PR, Marilena Indira Winter a trajetória de Luislinda é uma lição vinda de alguém que dedica sua vida, sua inteligência e sua bravura para dar efetividade ao artigo 5º da Constituição Federal, que prescreve serem todos iguais perante a lei.
Representatividade negra desbravadora do país
Luis Fausto Valois, promotor de justiça e filho de Luislinda, disse que homenagear sua mãe é homenagear sua alma: “Desculpem a falta de humildade, mas minha mãe, Luislinda, é uma representatividade negra desbravadora desse país”. Carminha Paiva, deputada estadual em Sergipe, revelou que conheceu a homenageada por ter contato com seu filho. “Como fui secretária de assistência social em minha cidade-natal, Nossa Senhora do Socorro, Fausto se tornou um valoroso parceiro. Estive em Brasília posteriormente e visitei o gabinete de Luislinda, que se mostrou muito sensível ao contexto social de nossa cidade, que não é fácil, e possibilitou reequipar nossos quatro conselhos tutelares”.
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A homenageada Luislinda Dias de Valois Santos iniciou sua fala agradecendo a homenagem e dizendo que a vida da mulher, em especial da mulher negra, é tortuosa. “Passei por desafios e desilusões e até ameaças de morte, como aconteceu em 1993, no mesmo dia em que publiquei aquela que seria a primeira sentença referente à um caso de injúria racial”, revelou a desembargadora.
Aprovada em primeiro lugar no concurso para procuradora federal, carreira que hoje é conhecida como Advocacia Geral da União, desejava permanecer na Bahia, mas foi designada para o Paraná. “Aqui, aprendi que somos todos iguais. Quando cheguei ao aeroporto, vi a frase ‘aqui se trabalha’ e pensei, aqui é meu lugar”, disse ela. Luislinda também lembrou de sua experiência como empreendedora em Curitiba, quando administrou o Bufê da Éloyá, especializado na culinária baiana. A desembargadora destacou ser ocupante da cadeira de número 6 (seis) da Academia de Letras José de Alencar (ALJA) – fundada em Curitiba, em 1939 – e que teve a iniciativa de propor a instalação de delegacias voltadas exclusivamente ao combate a racismo, xenofobia e condutas assemelhadas, iniciativa que foi adotada em Curitiba e em Belo Horizonte.
Para Luislinda, o povo negro não recebe as oportunidades necessárias para mostrar seu valor. “É difícil ser negro nesse país. Quem quiser saber o que é ser negro no Brasil, que seja negro ou negra por 24 horas”, afirmou a ex-ministra. Ela afirmou que continua buscando soluções e qualidade de vida para toda a humanidade. “Eu sou Luislinda, irmã, mãe, mainha, maravideusa no município de Vitória da Conquista, diante da prestação jurisdicional que deixei por lá, diva, com toda ousadia que carrego no meu viver, decidi correr riscos para alçar voos que pareciam inatingíveis quando iniciei. Acredito que devemos buscar a paz. Sejamos unidos, mulheres e homens, para atingir esse objetivo”, concluiu Luislinda Valois.
*Com informações da Câmara Municipal de Curitiba