“Nós temos uma das menores representatividades femininas na política institucional do mundo”, alertou, nesta terça-feira (21), a advogada Helena de Souza Rocha, durante o seminário Políticas Públicas para Mulheres, promovido na Câmara de Curitiba por iniciativa da vereadora Maria Leticia Fagundes (PV). Segundo um estudo de 2017 da União Interparlamentar (disponível aqui para download em inglês, francês e espanhol), o Brasil ocupa o 154ª lugar, de um ranking de 190 posições, de mulheres no Parlamento (no nosso caso, deputadas federais e senadoras). Em relação às ministras, o país cai ainda mais, para a 167ª posição.
“Estamos atrás de Irã, Síria, Afeganistão e Iraque. Isso é assustador quando pensamos no contexto cultural e histórico desses países, que têm uma maior representatividade [feminina] do que nós”, declarou Helena, consultora jurídica do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e vice-presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). A discriminação nos espaços de poder, reforçou a palestrante, acentua-se ainda mais conforme classe social, etnia e orientação sexual, dentre outras interseccionalidades.
“Você, mulher, tem que conquistar os espaços todos os dias”, avaliou Maria Leticia. Para ela, os partidos políticos se contentam em preencher a cota mínima de 30% de candidatas nas eleições proporcionais. “Eles saem correndo às vésperas das eleições e quando trazem esses 30% elas vão enfrentar muita resistência das lideranças masculinas. Não têm verba partidária, têm que ter visibilidade e recursos econômicos para se eleger. Se não bastasse tudo isso existem outras dificuldades. Recebemos diariamente questionamentos de sermos capazes”, acrescentou.
Maria Leticia propôs uma “reflexão política para que as mulheres apoiem as mulheres", em relação à campanha que já havia sido sugerida em plenário no dia 8 de março. “Lugar de mulher, meninas, é na política.” “Esta é a Casa das oito mulheres [vereadoras], mas quem sabe um dia seja das 20 ou 25”, disse Fabiane Rosa (PSDC), na abertura do evento. “Precisamos estar na política enquanto parlamentares. Somos 52% da população”, reforçou Noemia Rocha (PMDB).
“Nossa luta é permanente, cotidiana”, lembrou Julieta Reis (DEM). Professora Josete (PT), que também esteve no seminário, afirmou que “a gente sabe que não é fácil, que as candidaturas prioritárias são as dos homens, e que se nós não nos organizarmos sempre seremos os 30%, e quanto mais laranja melhor”. Oscalino do Povo e Mauro Bobato, do PTN, também prestigiaram o evento.
Outros debates
Presidente da Comissão de Apoio às Vítimas de Crimes da OAB-PR, a advogada Liane Slobodian Motta Vieira falou sobre o tema “Violência no Campo Médico”. O problema, explicou, não é facilmente identificado. “Esta violência é vastamente destruidora, com requintes de sutileza. Quem ousa questionar a conduta médica? Também existe a violência gritante obstétrica”, argumentou.
“Eu questiono nesta Casa: quais são as diretrizes do Conselho Municipal de Saúde para apurar a violência médica? A vítima é manipulada, porque ouve de outros profissionais médicos que nada vai trazer seu filho de volta”, completou a convidada.
Em seguida, Sandra Lia Bazzo Barwinski, presidente da Comissão de Estudos Sobre Violência de Gênero da CEVIGE/OAB-PR, discutiu o tema “Acesso aos Serviços”. “Quando a comissão passou a existir, em 2003, diziam que faríamos chá e desfile de moda. Esse esteriótipo ficou muito forte”, contou. “Lembro também em uma conferência que me pediram para ciceronear esposas dos presidentes.”
“Esteriótipos de gênero são a causa adjacente de grande parte das discriminações que ocorrem contra mulheres no mundo. Eu volta e meia me pego estereotipando. Somos estereotipadas? Estereotipamos? Sim e sim. É uma constante porque é produto de nossa cultura. E eles limitam as oportunidades às mulheres”, continuou. “O que significam esteriótipos quando chego à delegacia denunciar um crime? A mulher é julgada por sua conduta sexual prévia.” Sandra defendeu que era mais importante “falar daquilo que está na nossa subjetividade, que nos impede de acessar os serviços, que o número enorme de problemas [nos serviços públicos]”.
A última palestra, antes do debate ser aberto ao público, foi da historiadora Heliana Hemetério dos Santos. Integrante da Rede de Mulheres Negras, do Conselho Nacional de Saúde, coordenadora da Comissão de Políticas de Equidade e secretária de Direitos Humanos da Associação Brasileira Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), ela debateu a vulnerabilidade da mulher negra.
O desafio da população negra, “descendente de um povo escravizado”, defendeu Heliana, é reconstruir sua identidade e sua autoestima. Ela alertou à “coisificação” do corpo da mulher negra: “Desde que chegamos aqui fomos estupradas”. “Os dados apontam que a violência contra a mulher branca diminuiu, mas contra a mulher negra aumentou 54%. As senhoras [brancas] quando os filhos estão na balada têm medo dos assaltantes. Eu tenho medo também da polícia”, disse Heliana. “Eu não vejo ninguém ir para a rua levantar bandeirinha contra o genocídio da população negra.”
Texto: Fernanda Foggiato Revisão: Marcio Alves da Silva
Foto: Rodrigo Fonseca/CMC