Embora estejam na linha de frente no combate às mudanças climáticas e sejam as mais impactadas por elas, as mulheres são pouco representadas quando é preciso tomar decisões
Nos últimos meses, temos visto uma onda avassaladora de sinais de que o nosso planeta está em crise: queimadas, enchentes, temperaturas elevadas e seca extrema. Este não se trata mais de um problema distante, mas uma realidade que já se impôs: vivemos uma emergência climática e, diante de um contexto global de desigualdade, as que mais sofrem as consequências desse cenário são as mulheres.
De acordo com relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2021, a maior parte dos efeitos causados pelas mudanças climáticas recai justamente sobre as mulheres. Esse impacto desproporcional sobre nós é resultado de uma série de fatores sociais, econômicos e culturais estruturantes da sociedade em que vivemos.
Os documentos mostram que cerca de 70% do 1,3 bilhão de pessoas vivendo em condições de pobreza no mundo são mulheres. Em áreas urbanas são elas as chefes de família em 40% dos lares mais pobres e nas regiões rurais representam de 50% a 80% da força de trabalho mundial na produção de alimentos, apesar de disporem de menos de 10% das terras. Além disso, as mulheres correspondem a 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas no mundo.
Os impactos do colapso ecológico são ainda mais agravados quando consideramos o recorte racial e socioeconômico, e analisamos o cenário sob a perspectiva da interseccionalidade, abordagem que leva em consideração como diferentes opressões se entrecruzam na existência de determinadas pessoas. Em especial mulheres negras, indígenas, quilombolas e periféricas estão mais expostas pois têm menor acesso à informação, à proteção social e a recursos para se adaptar às mudanças, o que diminui as possibilidades de assistência e recuperação.
No geral, em situações de eventos climáticos extremos, são as mulheres que assumem a responsabilidade de garantir comida e água, por isso estão mais suscetíveis ao esgotamento, a abusos, exploração e à maior pressão pela sobrevivência da família.
Um relatório divulgado no ano passado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), aponta que, em algumas regiões rurais de países africanos atingidas por desastres climáticos, as mulheres são deixadas para trás porque os homens migram para centros urbanos em busca de emprego. Elas então precisam assumir o cuidado dos filhos, pessoas doentes, idosas ou machucadas, além das plantações.
As mudanças climáticas também intensificam conflitos políticos, econômicos e sociais, conforme a ONU, o que impõem às mulheres e meninas situações de extrema vulnerabilidade, como casamento infantil, abusos, violência sexual e tráfico humano.
Significa dizer que a emergência climática aprofunda as desigualdades de gênero e, para nós mulheres, a crise do planeta ameaça nosso direito à saúde, à educação, à segurança, à moradia e à vida.
Perspectiva de gênero é essencial quando falamos em justiça climática
Os impactos da crise não são isentos em termos de gênero. Por isso, as ações de combate às mudanças precisam da participação feminina. Se as mulheres são as que mais sofrem com a emergência climática, elas devem ser, obrigatoriamente, parte da solução.
No entanto, nós ainda somos sub-representadas tanto na tomada de decisões, quanto em painéis científicos e fóruns de discussão relacionados ao clima. Um levantamento da BBC evidenciou que as mulheres foram menos de 34% das delegações dos países que participaram da conferência da ONU sobre o clima, a COP27, realizada em novembro de 2022, no Egito.
Precisamos descolonizar o debate em torno do meio ambiente e pensar em ações que sejam lideradas por quem mais sofre as consequências dessa realidade. Mais do que nunca devemos considerar a contribuição feminina para a sobrevivência do planeta e para a formulação de políticas ambientais.
Para nós brasileiras, o desafio é que a questão de gênero e a urgência na construção de ações de preservação do meio ambiente não são prioridade. A exceção são nomes como Marina Silva (indicada como uma das 100 maiores lideranças climáticas de 2023 pela revista norte-americana Time) e Sonia Guajarara, ministras do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, respectivamente, que lutam incansavelmente pela vida na Terra.
Em Curitiba, porém, uma cidade que não está preparada para lidar com as consequências de anos de degradação da natureza, como enchentes, inundações e incêndios, a discussão ainda é rasa. Por esta razão são pilares do meu mandato a preservação do meio ambiente e a necessidade urgente de repensarmos nossos sistemas de produção e consumo. Assim, podemos caminhar rumo a uma cidade sustentável de verdade para todas as pessoas.
*Esta coluna foi publicada no Jornal do Juvevê em novembro de 2023.