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Derrubada de veto presidencial, decreto federal e política pública aprovada em Curitiba: como a Sema

Apesar de comum na vida de meninas, mulheres e homens trans, a menstruação ainda é tema cercado de tabus. Políticas públicas de combate à pobreza menstrual são urgentes em um país onde 1,5 milhão de pessoas ainda vivem em residências sem banheiro

Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Brasil viu cair a resistência com um tema tão urgente quanto preterido no debate de políticas públicas: a pobreza menstrual. Na quinta-feira, dia 10/03, o Congresso anunciou a derrubada do veto presidencial à Lei nº 14.214 de 6 de outubro de 2021. A lei tinha sido majoritariamente vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, num ataque à proteção da saúde e dignidade das mulheres no Brasil. A votação da derrubada do veto foi expressiva: maioria absoluta no Senado (64 sim contra 1 não) e na Câmara de Deputados (426 sim contra 25 não).

Dias antes, em 08/03, o presidente já havia cedido à pressão da opinião pública, assinando o Decreto nº 10.989 que, mesmo sendo pouco efetivo, fortaleceu a importância da luta. No mesmo dia, a capital do Paraná também promoveu avanços com a aprovação do PL 63/2021, que instituiu em Curitiba uma política pública em prol da dignidade menstrual. 

(Foto: Carlos Costa/CMC)

Lei Federal nº 14.214: transformando o combate à pobreza menstrual em política de Estado

Com a derrubada do veto, recuperam-se os artigos que tinham sido suprimidos. São eles: a oferta gratuita de absorventes femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual; a inclusão de mais beneficiadas, como estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública, mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. Além disso, foram retomados dispositivos que determinavam a execução das despesas via dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS), ou via Fundo Penitenciário Nacional. A inclusão de absorventes nas cestas básicas entregues fica a cargo do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Decreto nº 10.989: uma providência feita às pressas, contemplando poucas mulheres

O Decreto Presidencial assinado às pressas no Dia da Mulher por Jair Bolsonaro sinaliza um reconhecimento sobre a importância da pobreza menstrual, mas está longe de representar a disposição do Governo Federal em combatê-la. O texto é uma versão piorada do PL 4.968/2019, que originou a Lei nº 14.214, já que as restrições estabelecidas na proposta deixaram de fora uma parcela importante de meninas, mulheres e homens trans afetados com a falta de acesso a absorventes e outros itens de higiene menstrual.

Apenas voltado a alunas matriculadas em colégios vinculados ao Programa Saúde nas Escolas, meninas e mulheres de 12 a 21 anos cumprindo medidas socioeducativas e meninas e mulheres de 9 a 24 anos que recebam o Auxílio Brasil, o Decreto deixa de beneficiar as demais estudantes de baixa renda, mulheres em situação de vulnerabilidade e mulheres do sistema prisional. Segundo um levantamento do UOL, estima-se que 2 milhões de pessoas tenham ficado de fora.

Ao selecionar públicos específicos para serem contemplados na destinação gratuita de absorventes, o governo demonstra uma visão ignóbil em relação à dignidade menstrual no Brasil. Antes do decreto, o PL 4.968/2019 já tinha sofrido muita resistência, com o debate sobre a política pública de combate à pobreza menstrual sendo adiado por pelo menos 4 vezes no Congresso Nacional.

PL 63/2021: Curitiba aprova em dois turnos proposta que estabelece a distribuição gratuita de absorventes e calendário de educação sexual na rede pública de ensino

Na Semana da Mulher, Curitiba marcou posição nesse avanço. A Câmara da cidade aprovou, em dois turnos, um Projeto de Lei da médica e vereadora Maria Leticia (PV) voltado à rede municipal de ensino. O PL 63/2021 institui campanhas de conscientização sobre o ciclo menstrual nas escolas, com ações para estudantes, professores, familiares e equipe pedagógica, além de prever a disponibilização gratuita de absorventes nas escolas públicas. “Outras cidades no Paraná já possuem leis de combate à pobreza menstrual, mas nenhuma com atuação voltada para a rede pública de ensino e, nesse sentido, é uma conquista inovadora”, explica Adriana Bukowski, fundadora do Coletivo Igualdade Menstrual.

(Nina Zambiassi após aprovação do projeto em Curitiba. Foto: Raíssa Domingues)

Para Maria Leticia (PV),  autora do projeto, a pobreza menstrual é estruturada em três problemas centrais. “Existe uma tríade na pobreza menstrual: a falta de acesso a absorventes, falta de estrutura como saneamento básico e falta de informação e educação sobre a menstruação. É nosso dever, como agentes políticos, mudar isso”, explicou a médica e vereadora durante a defesa do projeto no plenário da Câmara Municipal. 

Um levantamento feito pela equipe jurídica da parlamentar mostrou que Estados e Municípios estão fazendo sua parte. Dos 26 Estados mais o Distrito Federal, 16 contam com legislação de combate à pobreza menstrual. São eles: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, São Paulo, Sergipe e Distrito Federal. Outros 7 Estados têm PLs sobre o tema em tramitação: Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins.

“Isso mostra que Estados e Municípios têm criado alternativas para superar a falta de disposição do Governo Federal no combate à pobreza menstrual. Nesse sentido, fica evidente o quanto o Estado está falhando em seu papel primordial: garantir a vida e a dignidade humanas”, explica Poliana Schiavon, advogada e assessora jurídica da vereadora curitibana. 

Políticas nacionais, estaduais e municipais são necessárias para enfrentar um problema sistêmico

Apesar dos avanços, muito ainda precisa ser feito. Segundo um relatório da ONU, estima-se que pelo menos 1,5 milhão de brasileiras continuem vivendo em residências sem banheiro – e, portanto, sem as mínimas condições de higiene. O mesmo relatório indica que 1 em cada 4 meninas falta à escola durante o período menstrual, chegando a perder dois meses de aula por ano.

Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a dignidade menstrual como questão de saúde pública, porém o acesso a absorventes é mais difícil entre mulheres e estudantes de baixa renda. 

Por que ninguém ensina sobre menstruação nas escolas?

A menstruação é um processo natural do ciclo reprodutor feminino, mas conversar sobre o assunto não é uma prática comum. Uma pesquisa feita pelo Unicef em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas mostra que 71% das pessoas que menstruam nunca tiveram aulas, palestras ou rodas de conversa sobre o ciclo menstrual na escola.

A desinformação é gigante, muitas adolescentes relatam ter se assustado quando menstruaram pela primeira vez. “Não sabia o que estava acontecendo, achei que estivesse doente quando vi uma mancha de sangue na minha roupa, ninguém tinha me explicado que aquilo era menstruar”, comenta a estudante curitibana Andrielli Alves.

As dúvidas são inúmeras, e vão desde como é a menstruação e quais são os sintomas no corpo, até como utilizar corretamente os absorventes. Para os meninos, o assunto também precisa ser ensinado, já que muitas meninas relatam situações de chacota quando ficam menstruadas na escola. O UNICEF constatou que 73% das pessoas que menstruam já se sentiram constrangidas na escola ou em outros lugares por conta da menstruação.

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