Maria Leticia, presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, reúne autoridades locais, estaduais e a Ministra Substituta dos Direitos Humanos
A situação das pessoas em situação de rua, a efetividade dos serviços prestados pelo poder público e pela sociedade civil, quais políticas devem ser prioritárias para que este cenário seja superado, estes foram alguns dos temas debatidos na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) nesta segunda-feira (11), na reunião que marcou a retomada dos trabalhos da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua (Pop Rua).
Além da presença de nove dos 11 vereadores que integram a Frente, a reunião teve a participação de Rita Cristina de Oliveira, ministra substituta do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania. Na avaliação da vereadora Maria Leticia (PV), que coordena os trabalhos da Pop Rua, o governo federal está “muito envolvido com a pauta” e a “interlocução amistosa” desenvolvida é importante para que a cidade receba apoio e recursos. “Fico cheia de esperança que Curitiba possa também fazer a parte dela e que possamos capilarizar essas ações aqui em nossa cidade”.
No encontro, foi definida a criação de um grupo de trabalho intersetorial, que vai atuar em sete eixos prioritários de trabalho: realização de censo da população de rua; criação de casa de acolhimento para gestantes; definição de planos de trabalho, com prazo de execução, para a verba federal destinada à campanha Inverno Acolhedor; alimentação em via pública e restaurantes; política de drogas e saúde mental; abordagem, remoção e acolhimento; e moradia.
Ministério de DH prepara plano para a população de rua
A decisão da suprema corte - no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976 - determinou a observância imediata das diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua (decreto federal 7.053/2009). Entre as medidas impostas, está o impedimento da remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua aos abrigos, bem como a vedação do recolhimento forçado de bens e pertences desse público.
“[A decisão do STF] nos deu a possibilidade de fazermos arranjos federativos, que responsabilizam as estruturas de governo. O Supremo foi categórico ao dizer que não há opção de adotar a política [nacional], agora isso é obrigatório. A política está sendo construída e o Governo Federal está ciente de suas responsabilidades, não só em fazer esses arranjos federativos, mas em dar suporte e empenhar recursos, além de orientar e fortalecer as redes de atendimento”, explicou Rita Cristina de Oliveira.
Ainda conforme a ministra substituta, o plano tem várias frentes, entre elas: o pagamento do aluguel social, tendo a população de rua como um segmento específico; o estabelecimento do programa Moradia Primeiro, que vai pensar a moradia como elemento fundamental para pessoas em situação crônica na rua, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida; e a realização de censos periódicos para monitorar a população em situação de rua.
A ministra adiantou que uma pesquisa nacional prévia sobre o segmento, realizada com base em dados do Cadastro Único e do Ministério da Saúde, vai ser divulgada no próximo dia 14. Segundo ela, em uma análise preliminar, foi possível identificar três fatores que levam as pessoas para as ruas: rompimento de vínculos familiares; o desemprego; e abuso de álcool e drogas. “Há estimativas de que o Brasil já tenha 280 mil pessoas em situação de rua. [Isso mostra que] estamos falhando muito como sociedade”, emendou a gestora.
Representantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), de outras entidades da sociedade civil que atuam na área, e de diversos órgãos governamentais também estiveram presentes. “O caminho é este: temos que discutir e avançar. É como diz o ditado: não adianta falar de mim sem eu estar presente. Se o problema é da [população em situação de] rua, traga o pessoal da rua para discutir. Quando a Casa abre espaço para uma pauta que é de todos nós, eu acredito que as coisas vão para frente”, resumiu Carlos Umberto dos Santos, o Pulga, integrante do MNPR.
O que falaram os demais vereadores da Pop Rua
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias da Câmara de Curitiba, e vice-presidente da Pop Rua, a vereadora Giorgia Prates - Mandata Preta (PT) exaltou a disponibilidade da sociedade civil em participar do grupo de trabalho.
“São pessoas que querem realmente pensar e fazer políticas que resolvam a questão. Foi bem promissor, mas nós não vamos conseguir fazer nada, nenhuma política, se a gente não olhar para os direitos humanos”, completou.
Demais vereadores que integram a Frente Parlamentar e também participaram do encontro destacaram outros pontos de atenção para o assunto. Noemia Rocha (MDB) chamou a atenção para os casos de “dependência química no ventre”, ao citar as gestantes usuárias de drogas que estão nas ruas, e pediu a criação de unidade de atendimento especializada para essas mulheres e seus filhos. “É uma questão social e de segurança pública. Sabemos que não há solução simples, então temos que participar e cobrar a Prefeitura de Curitiba por soluções efetivas para essa situação”, ponderou Indiara Barbosa (Novo).
A atual política da administração municipal para a população de rua foi criticada por Professora Josete (PT). Na opinião da parlamentar, “parece uma política higienista”. A vereadora reprovou ainda a “fala preconceituosa” da presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Maria Alice Erthal, que teve um áudio divulgado pela imprensa da capital, no qual ela sugere atuação conjunta da FAS com a Guarda Municipal.
“Que cidade é essa que a gente quer? Que coloque [as coisas] debaixo do tapete? [Que diga] que vai dar um susto nas pessoas em situação de rua? Muito do que vem acontecendo é para desmontar o que havíamos construído há anos atrás”, completou Josete, que lamentou o fechamento dos guarda-volumes que eram disponibilizados para a população de rua pelo Poder Público, assim como a ausência de banheiros públicos gratuitos.
Rodrigo Reis (União) saiu em defesa da presidente da FAS, a quem classificou como uma pessoa “responsável”. Para o parlamentar, a gestora não deve ser retirada do cargo “por causa de uma frase tirada de contexto”. Reis afirmou que tem cobrado a Prefeitura para a retirada das “pessoas mais agressivas” das ruas e avaliou negativamente a decisão do STF, que “infelizmente não permite a remoção destas pessoas mais violentas”.
O parlamentar, no entanto, indicou que o atendimento para quem está na rua precisa ir além de oferecer alimentação e precisa contemplar também ações de saúde pública. Lembrando ter interlocução permanente com os setores de turismo e alimentação, que muitas vezes se sentem prejudicados com a presença de pessoas em situação de rua, Rodrigo Reis afirmou que a cidade não vai permitir a criação de cracolândias, “como vemos em outras cidades”.
Logo após sua participação, e depois de questionar o tempo de fala concedido a outros participantes, o vereador deixou a sala de reuniões afirmando que aquele era um encontro “de oposição” ao governo municipal.
Oscalino do Povo (PP), por sua vez, alertou para a necessidade de todos os poderes públicos estarem unidos em busca de soluções. “É um trabalho árduo, mas nós temos condição de fazê-lo”, sentenciou, ao lembrar da facilidade de mobilidade entre as cidades da Região Metropolitana de Curitiba e chamar também a responsabilidade aos municípios vizinhos à capital.
Pauta da moradia é destaque
Representando a Defensoria Pública do Paraná, o defensor público Antônio Vitor diz que o órgão quer contribuir “com experiências e não com achismos”. “Nós estamos há 10 anos trabalhando nesta área e temos dados para comprovar que é a moradia que pode trazer a superação da vida na rua”. A inclusão da moradia nos eixos prioritários do grupo de trabalho partiu de Anderson Rodrigues Ferreira, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR. O advogado relatou que a entidade tem cobrado a FAS para a realização de um censo sobre a população de rua e criticou quem pensa que a adoção de apenas uma política pública, como a assistência social, pode dar conta da problemática da população em situação de rua.
Em nome do projeto Moradia Primeiro, Eliane Betiato questionou que, mesmo se todas as políticas adotadas para atender quem está na rua funcionarem, “para onde estas pessoas irão depois?”. “Onde é que a moradia entra nesse ciclo? É a partir desse direito que os demais podem ser buscados”, opinou.
A voluntária disse que o movimento realiza um projeto piloto e já entregou cinco moradias, mas, em breve, esse número chegará a 10 moradias. “É feito por muitas mãos e vem para provar que é, sim, possível oferecer política de habitação para a população de rua. Temos dados que comprovam ser um projeto eficiente e menos oneroso aos cofres públicos”. Esse posicionamento foi reforçado por Marlene de Oliveira, da Pastoral do Povo na Rua: “o primeiro passo é a moradia, o resto vem junto, a saúde, a educação e o emprego”.
Outras iniciativas que visam trazer dignidade para a população em situação de rua foram apresentadas pelas instituições Mãos Invisíveis, Sopão Curitiba, Pastoral do Povo da Rua e Comissão da Dimensão Sócio-Transformadora da Arquidiocese de Curitiba. Também participaram do encontro representantes das secretarias estaduais de Justiça e Cidadania e de Segurança Pública, que colocaram as estruturas governamentais à disposição do grupo de trabalho em busca de soluções efetivas.
O trabalho que está sendo realizado
A Prefeitura de Curitiba também esteve representada na reunião com gestores da Fundação de Ação Social e da Secretaria Municipal de Saúde. Em nome do gabinete da presidência da FAS, o educador social Anderson Walter informou que a realização do censo da população de rua foi incluído no Plano Plurianual (2022-2025) e que a iniciativa está sendo planejada em parceria com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
O assessor traçou um panorama dos atendimentos da FAS e comentou sobre alguns avanços e desafios nas políticas de assistência social. Entre eles, citou o monitoramento das gestantes que estão nas ruas, a redução no índice do abandono de bebês, a oferta de programas de qualificação profissional e de hotel social para mulheres trans e travestis. “Temos avançado muito desde 2017 no acolhimento, mas o maior desafio foi o aumento significativo da demanda após a pandemia”.
Já o trabalho do programa Consultório na Rua foi apresentado pela assistente social Letícia Reis, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Segundo ela, o contingente é de 23 profissionais de diversas áreas da saúde, que são divididos em quatro equipes. “É muito importante fortalecer estratégias que transcendam os limites das atribuições específicas de cada secretaria. Temos tido resultados positivos, mas precisamos de ações mais abrangentes”, apontou. Letícia aproveitou para destacar os avanços obtidos no reforço da imunização do público-alvo.
Ainda participaram do evento os vereadores Herivelto Oliveira (Cidadania) e Marcos Vieira (PDT), bem como representantes do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), do Sindicato dos Servidores da Guarda Municipal de Curitiba (Sigmuc), da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e demais apoiadores do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).
Texto: Câmara Municipal de Curitiba